sábado, 7 de setembro de 2019

O Bluebird


em meu coração há um pássaro azul
louco para sair
mas eu sou mais forte que ele,
eu falo, fica aí dentro, eu não vou
deixar ninguém
te ver.

em meu coração há um pássaro azul
louco para sair
mas eu taco uísque nele e respiro
fumaça de cigarro
e as putas e os barmen
e as caixas de mercado
nunca sabem que
ele está
aqui dentro.

em meu coração há um pássaro azul
louco para sair
mas eu sou mais forte que ele,
eu falo,
fica na tua, você quer me pôr
em apuros?
você quer sacanear a minha
obra?
ferrar com a minha venda de livros na
Europa?

em meu coração há um pássaro azul
louco para sair
mas eu sou mais esperto, só deixo ele sair
de noite, às vezes
quando todos estão dormindo
eu falo, sei que você está aí,
então não fique
triste.

daí o ponho de volta,
mas ele ainda canta um pouco
aqui dentro, eu não o deixei morrer
totalmente
e a gente dorme junto desse
jeito
com nosso
pacto secreto
e isso é bem capaz de
fazer um homem
chorar, mas eu não
choro, você
chora?

— Charles Bukowski, no livro "Essa loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém". (7Letras, 2ª edição [2015]).

domingo, 1 de setembro de 2019

Resenha - Os Pássaros, de Frank Baker


BAKER, Frank. Os Pássaros. Rio de Janeiro: DarkSide Books, 2016. 304 p.

Após oitenta anos de sua publicação original, Os Pássaros, de Frank Baker, veio ao Brasil graças a Editora DarkSide Books.
Certo dia, a cidade de Londres foi invadida por milhares de pássaros. Eles voavam em grupo e pousavam em monumentos, como se perscrutassem o local e os cidadãos que os observavam. A princípio, eles se tornaram uma atração às pessoas, e estas questionavam-se acerca de onde e por que vieram. Contudo, não tardou para que os pássaros respondessem à última pergunta; do nada, eles passaram a perseguir, ferir e matar as pessoas.


Os Pássaros é um romance obscuro recheado de suspense. É narrado em primeira pessoa por um sobrevivente da época em que os pássaros chegaram à City. O narrador-personagem se encontra numa idade avançada e conta os fatos da maneira que consegue recordá-los para Anna, sua filha, fornecendo-lhe detalhes da vinda das criaturas aladas e de como foi a reação do público em geral. A história é narrada vagarosamente, para que possamos vivenciar as angústias do narrador, que nos agracia com os seus pensamentos filosóficos constantemente:

"Enquanto eu conhecesse as inesgotáveis forças de criação da Alma, não precisaria nunca temer a morte, pois a morte era uma palavra inventada por alguém cujo corpo havia perdido sua Alma. Quando esse corpo se aproximasse do fim, procederia ao ato final de oferecer-se à Alma, fortalecida dessa forma para sempre, iria se identificar com o outro universo de onde surgiu". 
"Em sua criação, um homem coloca todo o amor que jamais sentiu pelo mundo natural. Como uma homenagem à força criativa que o fez: uma assinatura de sua existência. O artista deve trabalhar para si; trabalhar somente para expressar a si mesmo, sem buscar nenhuma recompensa que não seja a satisfação  em saber que dele veio uma reafirmação da verdade".
"Eu soube, de uma maneira que jamais havia aceitado antes, que eu permanecia sozinho, que ninguém poderia invadir minha Alma. Tampouco eu poderia penetrar na intimidade de qualquer outra Alma (...) eu não podia salvar ninguém, pois ninguém tinha o poder de salvar um homem a não ser ele mesmo".
Os Pássaros foi publicado em junho 1936, três anos antes de a Segunda Guerra Mundial iniciar. No romance, nos deparamos com passagens nas quais podemos sentir o medo inflamar na sociedade. Há momentos em que o autor soa profético ao descrever o clima aterrador: 
“Percebi em tudo um sentimento terrível de instabilidade do falso mundo que havíamos erguido no lugar do mundo verdadeiro, que era nossa herança".


A metáfora que engolfa os pássaros é uma nuvem negra a se aproximar da cidade, e pode ser compreendida como o espelho desse medo de que algo muito ruim estava por vir. A meu ver, Os Pássaros é um romance apocalíptico, no qual as criaturas aladas simbolizam entidades diabólicas que são providas do que há de pior no ser humano.

Caro leitor, se um pássaro pousar em seu umbral, encare a si mesmo nos olhos hediondos dele.