quarta-feira, 12 de junho de 2019

Análise da Peça Teatral Hamlet, de William Shakespeare

Antes de iniciar a análise dessa obra sublime, é mister que eu forneça um breve parecer acerca daquele que a concebeu. William Shakespeare (1564-1616) nasceu em Stratford-upon-Avon e é considerado um dos maiores na literatura mundial. Até hoje não se sabe ao certo a totalidade exata da vastidão das suas obras, mas é sabível que existem 34 peças, 154 sonetos, dois grandes poemas narrativos e outros diversos poemas.
Inicio o ensaio de Hamlet indicando aquele que fez florescer no coração do príncipe da Dinamarca o desejo por vingança: o suposto fantasma do finado rei Hamlet. Bernardo, Marcelo e Horácio são as primeiras personagens a vislumbrarem a aparição fantasmagórica do falecido rei Hamlet, este último tentou se comunicar com o fantasma, mas não obteve sucesso. Convencido de que o fantasma responderia somente ao seu filho, Hamlet, Horácio comenta com as demais testemunhas a necessidade de Hamlet ter ciência do ocorrido. Hamlet junta-se à guarda real durante a noite com o intuito de avistar o fantasma de seu finado pai, e este lhe fala sobre um crime cometido às escuras e que precisa ser revelado. O fantasma, alegando estar na danação para ludibriar o enlutado Hamlet, clama por vingança no Ato I, Cena V: 
“Fantasma: Está chegando a hora em que devo voltar para os tormentos das chamas sulfurosas.
Hamlet: Pobre Espectro!
Fantasma: Não lamentes, mas escuta, atento, o que revelo.
Hamlet: Fala; é meu dever ouvir-te.
Fantasma: E após ouvir, deve vingar-me.”
Ao ler estas falas, não consegui enxergar o sentimento paternal do suposto fantasma do rei para com o filho. Um pai de verdade não buscaria primordialmente confortar o coração do seu filho para somente depois esclarecer as causas da sua morte? A meu ver, esse deveria haver sido o proceder do espectro, mas não, trouxe consigo a tormenta e a alojou na mente e no coração do príncipe, para comprovar o que digo:
“Fantasma: Sou o Espectro de teu pai; condenado a vagar durante a noite, por algum tempo, e a jejuar de dia preso no fogo, até que este consuma e purifique as faltas criminosas que cometi em vida. Mas proibido de contar os segredos do meu cárcere, pois se os narrasse, a mínima palavra cortaria tu'alma e gelaria o próprio sangue jovem do teu corpo; faria teus dois olhos, como estrelas, saltar das órbitas, e teus cabelos eriçarem-se rijos, como as cerdas se eriçam no irritado porco-espinho. Mas revelar não posso o eterno arcano aos ouvidos humanos. Ouve! Escuta! Ouve! Se amaste um dia um pai querido...”
Haveria de restar alguma dúvida acerca da real intenção do espectro após eu sentir o asco consumir o meu ser ao notar o veneno existente no discurso dessa criatura vil? Ele não anseia por vingança, mas sim por desgraça! Ele foi o autor de todo mal que sobreveio ao pobre Hamlet, que teve de se fazer de louco, isso mesmo, Hamlet, sendo extremamente exposto a todos e quaisquer olheiros do rei, não poderia correr o risco de ter seus planos vingativos interrompidos. Aspirando a corrupção daquele meio, frustrada e dolorosamente, Hamlet quase perde a razão. Este age dissimuladamente, seu algoz e tio, Cláudio, não fez diferente, ambos usam o teatro dentro do próprio teatro, fazendo-se de joguetes, mas na verdade, são exímios jogadores. 
Por falar em perda da razão, lembro-me de Ofélia. Esta, ainda que estivesse apaixonada pelo príncipe, resolveu seguir os conselhos do pai, eu não a culpo por fazê-lo, afinal, se Hamlet a desonrasse, toda a vida da donzela seria convertida numa perdição. Contudo, ela sequer hesitou em renegar os sentimentos singelos do pobre Hamlet, vê-se isso claramente no Ato II, Cena I, quando Polônio questiona a filha acerca do desalento de Hamlet:
"Polônio: [...] Terás, acaso, usado ultimamente palavras muito duras?
Ofélia: Não, senhor.Mas, observando aquilo que ordenou, repeli suas cartas e neguei sua presença."
Hamlet, ao ser menosprezado por Ofélia, sucumbe avidamente à vingança, deixando os sentimentos amorosos que nutria pela jovem de lado. Ainda que ele tenha decidido se entregar à promessa de vingança feita ao espectro, anteriormente, Hamlet sentiu-se desolado, podemos vislumbrar a obrigatoriedade existente em seu lamento:
“[...] O mundo está fora dos eixos. Oh! Maldita sorte!... Por que nasci para colocá-lo em ordem! [...]”. (Ato I, Cena V).
Em O Nascimento da Tragédia, Nietzsche diz que:
“[...] é o verdadeiro conhecimento, a visão da verdade, que aniquila todo ímpeto, todo motivo para agir, em Hamlet [...]”. (2007, p. 61). 
Na peça, o homem é retratado de uma maneira universal. Ele se encontra centralizado no palco, está a lutar pela sobrevivência da sua humanidade, humanidade esta que tenta abandoná-lo. Hamlet carrega nos ombros o peso do mundo, o fardo da vingança. Como Hamlet manteria a sua sanidade imune às enturvações dos pensamentos pesarosos que estavam a chicotear constantemente a sua consciência? Através do monólogo mais conhecido de Hamlet Ser ou não ser: eis a questão, somos direcionados novamente ao digamos que acovardamento da personagem, quando esta se torna consciente do que se passa de fato em Elsinore e se questiona, vê-se que não há mais a plena certeza de estar pronto para efetuar a vingança prometida. Hamlet olha ao seu redor e se ver em meio a uma corja de traidores, faladores da verdade, porém incomensuravelmente podres por dentro, aí é nesse momento que eu pressiono a mesma tecla novamente: como manter a sanidade imune?
Hamlet foi acometido por diversas traições no decorrer da trama. A primeira foi causada pelo seu tio Cláudio ao envenenar o próprio irmão Hamlet, o rei; em seguida, sua amada Ofélia deixa-se ser usada pelo pai para armar contra o príncipe, pelo qual ela nutre afeto. Polônio, pai de Ofélia, é o serviçal abominável do assassino do rei, possuidor de uma má índole tal como a de Cláudio. Até mesmo a sua própria mãe, Gertrudes, foi mais uma saqueadora da paz do jovem, que se casou com o irmão do falecido rei às pressas. Hamlet, ao conversar com Horácio, diz: 
"Os bolos fúnebres serviram para os frios do esposório. ”
Após essa declaração de Hamlet, eu fiquei aqui, jogando conversa fora com os meus botões, e nós inferimos algo, chegamos ao consenso de que talvez, e somente talvez, a rainha pudesse haver tido um affair com o perverso Cláudio enquanto o rei Hamlet ainda estava vivo. Não se pode negar que há essa possibilidade, sim, e digo mais: se titubear, é capaz de ela ter ciência do crime cometido por Cláudio. 
As traições não acabam por aí. Rosencrantz e Guildenstern, colegas de Hamlet da época do colégio, juntam-se aos demais abutres para destruir o injustiçado e tão amado pelo povo dinamarquês, Hamlet. Mediante as diversas divagações de Hamlet, me cabe somente compadecer-me da sua dor, que revestida de melancolia, o cegou; de certa forma, acabou o matando no fim, pois apesar de ser extremamente pensante e sentir que estava para ser guiado a uma armadilha, ele ignorou o resquício da razão que lhe sussurrou ao ouvido no Ato V, Cena II: 
"Mas não podes imaginar a angústia que sinto aqui no coração; mas não importa. [...] isso é tolice."
No fim, a morte devorou Ofélia, que ensandecida após o fim de Polônio (muito bem empregado por sinal), se pôs a devanear tal como aquele que ela traiu (Hamlet), e sucumbiu aos encantos funestos do ceifeiro.  A família real e o assassino de Hamlet, Laertes, também jazeram no solo contaminado pela corrupção e desamor dos habitantes de Elsinore.

Referências:
NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da Tragédia. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
SHAKESPEARE, William. Romeu e Julieta & Hamlet. Trad. Anna Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, Barbara Heliodora. - [Ed. Especial]. - Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.

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